#03 | Ciclo de Vida do Produto: momentos distintos, abordagens específicas
Entender o momento do produto faz toda diferença na abordagem e métricas de sucesso.
O conceito de Ciclo de Vida do Produto é um contexto com conexão direta com Marketing.
Trata-se das diversas fases que um produto percorrerá ao longo de sua vida — da Pesquisa à Retirada de Mercado, passando pelo Desenvolvimento, Lançamento, Crescimento e Maturidade.
Algumas fases são facilmente reconhecíveis, como a Pesquisa, Desenvolvimento e Lançamento. Outras, são mais sutis — afinal, como saber o que separa um produto em fase de Crescimento de um produto que atingiu a Maturidade?
Finalmente, outras decisões podem mudar o jogo, como quando lançar ou quando retirar um produto do mercado.
Aprofundar nosso entendimento sobre o ciclo de vida do produto é uma habilidade que ajuda gestoras e gestores de produto a expandir sua visão — saindo de uma abordagem apenas técnica, para uma visão conectada ao negócio e ao resultado.
Desmistificando o conceito de Ciclo de Vida de um produto
O Ciclo de Vida do Produto abrange todas as etapas de uma solução digital — desde a concepção até a retirada do produto do mercado.
Uma das grandes belezas da indústria de Tecnologia é que, quando um conceito se torna muito abstrato, um dos caminhos para desmistificá-lo é buscar uma situação análoga em outra indústria. Para desmistificar este conceito, aplicado à Gestão de Produto, farei uma analogia com outros mercados.
Muitas empresas, principalmente as não-digitais, instituem uma área denominada Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), responsável por pesquisar necessidades de consumidores, parcial ou não atendidas, e com base nestas oportunidades, desenvolver produtos que atendam estas demandas.
Depois que o produto é desenvolvido, ele é lançado ao mercado — em um primeiro momento, com uma estratégia controlada de lançamento, que irá avaliar aspectos subjetivos, como posicionamento de mercado, e aspectos objetivos, como distribuição e precificação.
Este momento traz aprendizados, que geram ajustes no produto recém-lançado, para facilitar a aceitação do mercado ao produto.
Quando a taxa de aceitação do produto está em um limite aceitável pela empresa, o produto está pronto para ser produzido em larga escala, com diversificação de canais e aumento da oferta ao mercado.
Mas um dia, o mercado se cansa do produto, ou a necessidade que aquele produto atendia deixa de existir. É hora de retirar o produto do mercado. Neste momento, é preciso pensar em logística reversa, desmobilização de canais de venda e, dependendo da natureza do produto, estruturação de serviços de apoio ao consumidor.
Com produtos digitais, acontece o mesmo.
Nós, como Gestores de Produto, somos responsáveis por acompanhar o Produto Digital ao longo de cada uma dessas fases. Obviamente que os números e as características de operação das áreas nos ajudarão na construção deste entendimento.
Uma qualidade essencial para Product Managers é saber fazer boas perguntas. Se não conseguimos, minimamente, identificar em que fase nosso produto está, como faremos perguntas às áreas para colher dados e aprendizados que validam ou invalidam nossas hipóteses?
O conceito de Ciclo de Vida aplicado a Produtos Digitais
Trazendo este conceito para produtos digitais, fica fácil compreender que uma das missões dos times é atuar como as áreas de Pesquisa e Desenvolvimento da indústria. Algumas empresas de tecnologia, inclusive, adotam esta nomenclatura, ao invés de Produto, Design e Engenharia, ou então, possuem áreas de Pesquisa e Desenvolvimento, orientadas à inovação e as áreas de Produto, Design e Engenharia fazem a sustentação de produtos que se provaram viáveis para o negócio.
A fase com Geração de Receita através do Produto
A imagem abaixo é bastante conhecida, e traz a visão de ciclo de vida de um produto
O produto é lançado, na fase de Introdução ao mercado consumidor. Ao encontrar o encaixe produto-mercado (product-market fit), o volume de vendas começa a aumentar, caracterizando a etapa de Crescimento (Growth). Após seus momentos iniciais no mercado, a operação se estabiliza, as vendas continuam aquecidas, porém, em uma velocidade menor — é a fase de Maturidade. Uma vez que, em uma mesma estratégia, o mercado acessível ao produto é limitado, novas necessidades ou necessidades subjacentes surgem e o volume de vendas do produto entra na fase de Declínio, onde a Empresa deverá tomar a decisão de retirar ou produto do mercado ou reinventá-lo, criando uma nova estratégia.
Não tem jeito, todo produto — digital ou não — passa por este ciclo.
Porém, esta visão aborda a fase onde há geração de receita através do Produto. Isto é muito importante, mas não é o único lado da moeda que devemos olhar como Product Managers.
Existe uma fase pré-receita, sendo igualmente importante, por ser nesta fase que o Produto nasce e a duração desta fase tem conexão direta com o payback daquele produto.
A fase com Investimento de Receita no Produto
Esta é a fase que pode definir o nível de pressão que a empresa de tecnologia terá de lidar após o lançamento do produto no mercado e, infelizmente, pouco se fala sobre a fase do ciclo de vida do produto pré-receita.
Como o próprio nome diz, nesta fase não há geração de receita através daquele produto. O que existe é uma fase de investimento, onde a Empresa captura recursos de outras fontes — sejam internas ou externas — e investe no produto que está sendo criado.
E como todo investimento, uma hora ele deve gerar retorno.
É este conceito — simples, mas muitas vezes esquecido no dia a dia de Gestão de Produto — que definirá a pressão que a Empresa terá de suportar após a entrada do produto no mercado.
Isto pode ser crítico para o produto, caso o investimento tenha sido muito alto, com grandes injeções de recurso em um curto espaço de tempo, ou com injeções menores, diluídas ao longo de um ciclo de pesquisa e desenvolvimento mais lento, aquele produto. Neste caso, além de lidar com a pressão de atravessar o abismo de adoção de uma nova tecnologia, deverá lidar com a pressão de recuperar o dinheiro investido no menor tempo possível (o chamado payback).
A fase pré-receita compreende a Ideação do Produto, onde o conceito do produto é gerado e desenvolvido, com base nas necessidades do negócio e oportunidades previamente mapeadas.
Na fase de Validação do Mercado, a ideia é testada com o público-alvo para verificar a demanda e a viabilidade do produto. As pesquisas de competidores, precificação e posicionamento de marca são aprofundadas nesta fase, buscando validar se existe um mercado grande o bastante, e com apetite financeiro, para investir no produto em desenvolvimento.
Na próxima fase, o Produto Mínimo Viável (MVP) é desenvolvido, sendo uma versão mais simples possível, e que gera algum valor para quem usar. O MVP resolve um problema real, ainda que de uma maneira simples e, muitas vezes, não totalmente automatizada.
Com base no acompanhamento do MVP, os times colhem Feedbacks de clientes, usuários e áreas de negócio, que ajudam a entender se o produto está pronto para entrar no mercado.
Estes feedbacks podem gerar oportunidades de Modificação do Produto, as quais são analisadas e incorporadas, gerando uma versão melhorada.
Desafios de Gestão de Produto nas diferentes fases do ciclo de vida
Fase pré-receita
Objetivo: Reduzir os riscos de falha do produto ao ser lançado no mercado
Foco: Validar o problema, cliente, mercado e solução antes do lançamento
Esta é uma das fases com maior ambiguidade de conceitos, incertezas e ideias — que muitas vezes conflitam entre si.
O grande desafio para Product Managers, durante as etapas da fase de Pré-Receita — Ideação, Validação de Mercado, Produto Mínimo Viável, Feedback e Modificação do Produto — é navegar neste cenário, com velocidade, mas sem acelerar demais a ponto de ignorar grandes riscos.
É neste cenário que o Product Discovery — ou Descoberta de Produto — se torna uma prática essencial para criar evidências, ponderar e modelar as melhores hipóteses de um produto bem-sucedido.
Volto no ponto: esta etapa não pode ser longa, afinal a Empresa está injetando recursos financeiros sem geração de receita. Quanto mais longa a etapa pré-receita, maior o desequilíbrio de caixa que o produto terá que lidar na etapa com geração de receita. E confie em mim: além dos desafios de lançar um produto no mercado, você não vai querer lidar com a pressão de áreas de negócio ou investidores, ansiosos por recuperarem seu investimento.
Além da Descoberta de Produto — assunto que falaremos nas próximas newsletters — é importante aprofundar os conhecimentos em Customer Development (Desenvolvimento de Consumidor) . Principalmente se o produto a ser lançado for novo ou embasar uma nova linha de negócio na Empresa.
Fase com geração de receita
Introdução
Objetivo: Atingir o product-market fit (encaixe produto-mercado)
Foco: Adaptar o produto rapidamente a novos aprendizados de clientes e mercado
A fase de Introdução é crucial para o sucesso do produto, pois neste momento o produto é lançado e as primeiras impressões se consolidam. Considerando que um dos loops de crescimento mais importantes (e baratos) é a indicação dos primeiros usuários, causar uma boa impressão é essencial — para o produto e negócio.
Assim, é importante que os times conheçam bem quem são os primeiros clientes, e estabeleça estratégias de lançamento conectadas a estas pessoas. A comunicação de marketing, funcionalidades e a forma de lançamento devem ser pensadas com cautela.
Um desafio adicional que times de Produto, Design e Engenharia podem enfrentar neste momento é o equilíbrio entre Velocidade de Entrega e Qualidade do código.
O produto apresentado ao mercado ainda utiliza como base o MVP testado na fase pré-receita. E, na busca do encaixe produto-mercado, novas funcionalidades precisam ser lançadas com rapidez e simplicidade, para viabilizar experimentos.
É nessa hora que muitas empresas se perdem, ou não conseguem atingir, um bom equilíbrio e “o MVP escala” - ou seja, aquela base de código inicial se torna base para mais e mais funcionalidades, gerando um débito técnico que, invariavelmente, deverá ser pago.
Recomendo fortemente a leitura deste artigo do Martin Fowler, onde ele fala sobre tempo, bom design de código e acúmulo de funcionalidades.
Crescimento
Objetivo: Aumentar a base de usuários e consolidar a participação de mercado
Foco: Escalar a aquisição de clientes e fidelizar os clientes atuais
Esta é a fase que muitas Empresas e Produtos vivenciam com intensidade - antes da morte (do Produto ou dos times de Produto) ou antes da consolidação de mercado.
Na fase de Crescimento, as decisões se tornam mais complexas, pois além de aumentar a base de usuários, atraindo com diferenciais de mercado e lançamentos, é importante aprimorar a experiência de uso para a base de clientes atuais.
Enquanto na fase de Introdução ao mercado, o investimento na aquisição de clientes é um dos aspectos mais importantes, aqui o crescimento saudável é fundamental. Logo, além do Custo de Aquisição de Clientes (CAC), o retorno financeiro que estes clientes trazem para a empresa enquanto permanecem como clientes (Lifetime Value - LTV), receita recorrente (MRR - mensal - ou ARR - anual) e métricas de retenção, como Logo Churn e Net Revenue Churn são cruciais para garantir que o produto - e a Empresa, em muitos casos - cruze o abismo.
Para Product Managers, este é o momento de pensar em uma estratégia de produto mais madura, desdobrada em roadmaps que equilibram melhorias de funcionalidades existentes, lançamento de novas funcionalidades e débitos técnicos.
Maturidade
Objetivo: Maximizar a rentabilidade e defender a participação de mercado do produto
Foco: Otimizar eficiência operacional e inovação incremental para manter a relevância do produto
Se o produto lançado é disruptivo o bastante a ponto de criar um novo mercado consumidor, durante um bom tempo este produto se manterá com um crescimento acelerado, uma vez que como entrante, domina o novo mercado. Porém, eventualmente, concorrentes surgirão, e este produto passa a disputar mercado com estas empresas.
Mesmo produtos que não provocam uma disrupção, mas que conseguem estabelecer uma boa vantagem competitiva através da marca, prestação de serviços ou funcionalidades, enfrentam um momento onde novos entrantes ou a insatisfação da base atual de clientes tira a velocidade de crescimento.
Esta é a fase de Maturidade, onde o produto já se provou no mercado, estabeleceu um bom posicionamento, tem previsibilidade de geração de receita, mas enfrenta dificuldades de crescimento. A estratégia, então, é de defensibilidade de participação de mercado.
Métricas relacionadas a mercado, margem de lucro, custo de aquisição de clientes, taxa de retenção de clientes e satisfação se tornam cada vez mais relevantes, e o desafio de Product Managers é zelar pela eficiência operacional, ao mesmo tempo que novas entregas de valor são oferecidas à base de clientes.
Declínio
Objetivo: Gerenciar a descontinuação do produto de maneira estratégica ou encontrar formas de revitalizá-lo
Foco: Redução de custos e na maximização do valor restante do produto
Produtos acabam. Ou se transformam.
Citando dois exemplos muito simples:
A operação TED - Transferência Eletrônica Disponível - foi criada em 2002, e, a partir do lançamnto do PIX, viu seu número de transações diminuir drasticamente. Baseado nisso, a FEBRABAN divulgou, em agosto de 2023, a estratégia de descontinuidade desta operação.
A Netflix nasceu em 1997, como um serviço de locação de DVDs, que era entregue na casa dos clientes. A promessa era criar uma experiência de aluguel mais fácil, sem a necessidade de ir até a locadora mais próxima. Porém, em 2007, o modelo de negócios mudou gradualmente para o serviço de streaming, mais tecnológico e com características operacionais menos complexas (em tempo: o serviço de locação de DVDs foi descontinuado depois de 25 anos - sim, esse serviço só deixou de existir em 2023!).
A fase de Declínio não surge do dia para a noite. Um produto caminha para seu fim, ou sua transformação, gradualmente.
Custos Operacionais se tornam impraticáveis, o esforço dos times de Tecnologia para lançar novas funcionalidades e manter o produto são cada vez mais desafiadores e a pressão do mercado - quer seja pela saturação da oferta, quer seja pelo número de competidores - inviabiliza a manutenção da estratégia.
É importante que, antes de chegar em uma situação derradeira, os times coletem evidências do Declínio e iniciem a discussão do que fazer.
Muitos produtos digitais decidem "abrir" pontos de conexão com outras aplicações, adotando um modelo de Platform as a Service - Plataforma como Serviço -, como forma de criar uma nova proposta de valor a seus clientes, através da complementariedade de soluções.
Este artigo detalha como incumbentes utilizam modelos de plataforma, ecossistemas e multiprodutos como mecanismos para fortalecer a cadeia de valor de suas principais soluções, atrair novos clientes e explorar novos mercados.
A proposta desta newsletter é te ajudar a entender os conceitos envolvidos na Gestão de Produto, sua origem e a teoria por trás, e como esses se aplicam ao nosso dia a dia. Sem jamais perder de vista o mais importante: somos pessoas de Negócio, e usamos nosso conhecimento para gerar resultado.
Nos vemos na próxima newsletter!
Excelente!